O mundo já não é o mesmo. O nascimento do Facebook pôs o ponto final na
nossa vida privada. A Nikon anunciou o fim da produção de sua máquina
fotográfica com película. Os Jogos Olímpicos de Pequim exibiram o poder
da China no maior espetáculo da Terra. Enfim! O século XXI fez dez anos.
Foi uma infância turbulenta marcada por violência e desastres
extraordinários. Três mil pessoas perderam a vida no ataque terrorista
às torres gêmeas em Nova York (2001). Os EUA e a Inglaterra invadiram o
Iraque (2003). O furacão Katrina destruiu Nova Orleans e fez 2 mil
vítimas (2005). O mundo entrou em pânico com a possibilidade de que o
vírus H1N1 se espalhasse pelo globo (2009). Um terremoto no Haiti fez
200 mil vítimas e o incêndio de uma plataforma de petróleo no Golfo do
México transformou-se em gigantesco desastre ambiental (2010).
Aos desastres naturais e à sanha destruidora das guerras no Iraque e
Afeganistão somaram-se turbulências econômicas. A Argentina foi à
bancarrota em 2002, mas isso não foi nada em comparação com a crise
financeira que estourou nos EUA em 2007. O euro, que entrara em
circulação nos países da União Europeia em janeiro de 2002, chegou a
valer US$ 1,60 em 2008. Mas no fim de 2010 mais da metade dos alemães já
alardeava sua nostalgia do marco. E em 2010 Grécia e Irlanda embarcaram
na crise financeira, que ainda deve fazer muitos estragos.
Infância turbulenta é presságio de puberdade e adolescência
tumultuadas. Você discorda? Não acredita que o futuro está escrito no
passado? Pois minha bola de cristal avisa que - com ou sem Facebook,
filmes de películas e poderio chinês e ao contrário do que anuncia o
primeiro parágrafo - o mundo continua "misericordiosamente o mesmo que
era quando Platão era Platão". Para prever o que nos aguarda, basta
repetir o que Álvaro de Campos já dizia em 1914:
"A maravilhosa beleza das corrupções políticas. Deliciosos escândalos
financeiros e diplomáticos. [...] grandes crimes [...] Adubos,
debulhadoras, progressos da agricultura. [...] Progressos dos armamentos
gloriosamente mortíferos. [...] Ó artigos inúteis que tanta gente quer
comprar. [...] Eh-la-hô recomposições ministeriais!"
Triste? Ora, não se desespere, pois em outra roupagem Fernando Pessoa oferece o remédio na voz de Ricardo Reis:
"Débil como uma haste de papoula
Me suporta o momento. Nada quero."
Nada quero, repita com Pessoa. Mas, se você quer, terá de imaginar
tanto as consequências da supremacia da China - a quem pertence a
próxima década - quanto os desafios que o envelhecimento populacional
vai criar. No curto prazo, terá ainda de prever a sequela da crise
financeira que tomou conta do mundo desenvolvido e ameaça o euro.
Para lhe ajudar nessa tarefa, viva o economista! "The Little Book of
Economics: How the Economy Works in the Real World" (Wiley, 2010) não é
um livro para Ph. Ds. Tem, entretanto, as respostas para as perguntas
que lhe fazem tios e primas. Um livro pequeno, que explica como os
economistas pensam e a sua importância nas nossas vidas.
Em 2009, a capa da revista "The Economist" mostrava um livro-texto
afundando numa poça e comentava: "De todas as bolhas econômicas, poucas
estouraram de forma mais espetacular que a reputação da teoria
econômica, ela mesma". Greg Ip usa essa citação na introdução de seu
livro e logo em seguida repete o comentário de Paul Krugman de que a
pesquisa macroeconômica dos últimos 30 anos foi inútil nos melhores dos
casos e maléfica nos piores.
Evidentemente, Greg Ip (ou Krugman ou "The Economist") não acreditam
que a teoria econômica é imprestável. Estão apenas puxando a sardinha
para a própria brasa. Você deve ter ouvido contar que o ex-presidente
americano Harry S. Truman uma vez pediu que lhe trouxessem um economista
que tivesse uma mão só, porque ele estava cansado dos economistas que
respondiam a todas as perguntas dizendo: "On the one hand..., and on the
other..." Pronto, com uma ciência assim, se você é o economista de uma
mão só, precisa desacreditar a mão de seus colegas.
Mas, na verdade, Ip (que é editor da revista "The Economist"), quando
não está fazendo graça, concorda com Mohamed El-Erian - CEO da Pimco,
que escreve a introdução ao "Little Book of Economics". El-Erian - que
se confessa apaixonado pela ciência econômica desde os 15 anos -
argumenta que a economia oferece um arsenal de instrumentos valiosos
para pensar sobre muitos tópicos. Para explicar diferentes interações
entre indivíduos, empresas e o governo. E para facilitar o entendimento
do bem-estar da sociedade e das tendências que definem o mundo em que
vivemos.
Escrito em linguagem simples e atraente, "The Little Book" explica as
políticas monetária e fiscal. Discute como a psicologia e os bancos
centrais comandam os ciclos econômicos. Como os gastos do governo podem
ajudar a curar uma recessão ou gerar um desastre. Como uma crise
financeira pode transformar uma recessão em depressão. Fala ainda dos
efeitos das taxas de fertilidade e da educação para o crescimento
econômico. E de por que a deflação é pior do que a inflação.
Isso e muito mais está no livrinho, que inclui algumas observações
claras e precisas sobre os mercados financeiros globais e o caso do yuan
chinês - que, ao contrário do que ocorre em outros países, pode se
manter subvalorizado, sem provocar inflação, porque a China tem
controles de capitais, o governo poupa bastante para comprar ativos
externos e o rápido crescimento da produtividade acompanha o crescimento
salarial.
Lá está ainda a razão pela qual o dólar não é o problema dos EUA, mas
sim do resto do mundo. Com certeza, num dia ainda muito, muito
distante, o dólar perderá o status que hoje tem, à medida que a
importância dos EUA diminuir. Mas, por enquanto, não tem rival. Para os
banqueiros centrais, manter suas reservas em yuans (enquanto a China
tiver controles de capital) seria como manter nossa poupança na forma de
milhagens de uma companhia aérea. O euro não seria melhor. Basta
considerar o risco de a Grécia abandonar o euro e tentar servir a dívida
externa em dracmas.
Ip observa também que mais inevitável que as crises é o fracasso em
prevê-las. Paul Samuelson costumava brincar dizendo que o mercado de
ações previu nove das últimas cinco recessões. As previsões são ruins,
porque cada crise é diferente da anterior. Isso, apesar de terem traços
comuns e amplamente documentados desde 1340, quando Eduardo III da
Inglaterra declarou a moratória e levou à bancarrota os banqueiros
florentinos, que tinham financiado sua guerra contra a França. O pior é
que, enquanto numa economia normal a redução de preços atrai compradores
e corrige o excesso de oferta, numa crise a redução de preços provoca
mais vendas e a agrava.
Nem todas as bolhas levam a crises. Para haver crise, é preciso que
haja "leverage", isto é, muita dívida em relação aos ativos. O
crescimento do endividamento (privado ou público) é o principal suspeito
no advento de uma crise e seus parceiros são os descasamentos cambiais e
de prazo. As crises se espalham por contágio: os investidores
prejudicados por uma companhia (ou país) fogem daquelas (ou daqueles)
que se parecem com ela (ou com ele). Um banco que vai à bancarrota
arrasta consigo os outros com os quais tinha negócios e o contágio
transforma problemas de liquidez em problemas de solvência.
Se você não é aluno de economia, pode se dar ao luxo de esquecer os
pesados livros de introdução utilizados nas universidades, que deixam de
lado a discussão de temas correntes para se concentrar em princípios
teóricos. E, no lugar deles, pode ler "The Little Book of Economics",
que vai direto ao assunto que interessa aos leitores de jornais. Pena
que as instituições e os exemplos ali discutidos sejam todos da economia
americana. O leitor brasileiro merecia um livro de igual conteúdo, mas
em que a instituição em foco fosse nosso Banco Central (em vez do Fed) e
a discussão da política fiscal se desse em torno do mecanismo de
elaboração, discussão e aprovação dos nossos orçamentos (no lugar dos
processos que caracterizam a política fiscal americana).
Eliana Cardoso, economista, escreve semanalmente neste espaço,
alternando resenhas literárias (Ponto e Vírgula) e assuntos variados
(Caleidoscópio).
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