Oproblema da inflação no Brasil está sendo tratado pelas novas
políticas fiscal, monetária e cambial com o cuidado que merece. Na
política fiscal não foi feito nenhum "choque dramático" (porque não era
preciso), como exigem alguns fundamentalistas. É certo, entretanto, que
as despesas correntes e as transferências da União crescerão menos em
termos reais do que o crescimento provável do PIB.
A crítica fundamental a essa política é, curiosamente, "ad hominem": o
ministro Mantega foi um gastador (diante de uma deficiência de demanda
global); como pode ser um parcimonioso (diante de um excesso de
demanda)? Como diria um velho conhecido, "quando a situação muda, eu
mudo. E você?"
Na política monetária, a mudança de atitude do presidente Tombini,
recuperando velhíssimos instrumentos (agora elegantemente chamados de
"macroprudenciais"), tem sido objeto de desconfiança de muitos analistas
do mercado financeiro. Apoiam-se numa pretensiosa "teoria monetária",
cujos melhores autores em 2008 ainda não mencionavam, em seus
"científicos" trabalhos e livros, sequer a palavra "crédito"!
Prisioneiros de uma miopia produzida por um modelito de três equações
perderam toda a imaginação.
Provavelmente, a manobra exclusiva com a taxa de juros cause menores
"distorções" (medidas com relação a um modelo de validade duvidosa), mas
também, provavelmente, compensadas no mundo real por um custo maior em
termos de sacrifício de PIB. De qualquer forma, ainda que a econometria
seja imaginosa, mas precária, existem claros indícios (até recentemente
negados) que medidas macroprudenciais podem ser moderadas substitutas do
falaciosamente simples aumento da taxa de juros. Aqui também, a crítica
é "ad hominem": Tombini é um bom e respeitável técnico... mas é um
"pombo"! A hora e o lugar exigiriam um "falcão" (um dos "idiots
savants"), que acredita que há leis naturais que regem os mercados,
particularmente o cambial.
O mais fantástico é a desconexão entre essas críticas e o que está
acontecendo no mundo, particularmente com a revisão do conhecimento
econômico. Ele se processa hoje sob o estímulo de quem já foi o maior
defensor da equivocada ideologia que produziu o "pensamento único"
apoiado numa suposta ciência monetária: o Fundo Monetário Internacional!
Foi esse mesmo "pensamento único" que interditou a saudável crítica
produzida por diferentes "visões do mundo econômico", que estimulou o
controle da economia real pelo sistema financeiro e produziu a crise de
2007/09. No fim, consumiu-se na desmoralização...
Trata-se de uma tragédia. A descrença colocou dúvida sobre todo o
conhecimento econômico - talvez seja melhor chamar de "economia
política" - que foi e é de extrema importância para a boa governança do
setor público e do setor privado. Essa visão niilista é a contrapartida
do fundamentalismo: como a teoria econômica "fracassou", tudo é
permitido nas políticas fiscal, monetária e cambial. Já sabemos como
isso termina. O Brasil já foi vítima de múltiplas experiências desse
tipo que tiveram alto custo econômico e social.
Temos hoje uma aceleração da taxa de inflação (e uma deterioração de
suas expectativas), que deve merecer toda a atenção do governo. É óbvio
que estamos diante de um fenômeno bastante complexo e que não pode ser
resolvido satisfatoriamente com a receita suicida de cortar as despesas
públicas (a demanda do governo) e aumentar a taxa de juros real para
cortar a demanda privada, de forma a reduzir o crescimento do PIB a 3%, a
taxa de inflação a 4,5% no fim de 2011 e deixar que a taxa de câmbio
atinja o seu valor "natural" determinado pelo mercado.
A taxa de inflação é uma espécie de "radiador" que dissipa o calor
das energias perdidas na ineficiência dos setores público e privado. Ela
tem duas componentes: uma interna e outra externa. A interna parece ser
menos resultado do excesso da demanda global do que da profunda mudança
na sua qualidade (serviços não transacionáveis), resultado da própria
política redistributiva do governo e do aumento real do salário mínimo.
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