Governo brasileiro precisa assumir papel de liderança se quiser
evitar fiasco político da conferência sobre desenvolvimento sustentável
A dois meses do início da Conferência das Nações Unidas sobre
Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), o governo brasileiro chega a uma
encruzilhada.
Ou se conforma com os resultados modestos que se desenham para a reunião
de cúpula no Rio de Janeiro, ou se projeta na liderança da reação para
impedir um fiasco político -ainda que sob a roupagem de um sucesso
midiático.
Não é fácil produzir decisões concretas nesses encontros multilaterais
em que duas centenas de países têm poder de veto (as deliberações exigem
consenso). Mas a Cúpula da Terra anterior, Eco-92, realizada há 20 anos
também no Rio, resultou em dois tratados marcantes: as convenções sobre
mudança do clima e biodiversidade.
Em 1997, a convenção do clima foi regulamentada pelo Protocolo de Kyoto,
com a criação de metas para países desenvolvidos reduzirem a produção
de gases do efeito estufa. A partir daí, desandou a negociação
internacional sobre combate ao aquecimento global.
No estágio atual, pesquisadores do clima dão como certo que ainda neste
século a atmosfera se aquecerá mais que os 2°C tidos como seguros. Acima
disso, projetam, eventos climáticos extremos -como secas, enchentes e
furacões- se tornariam mais frequentes.
Os entraves para o entendimento têm raízes econômicas e políticas.
Nações desenvolvidas (EUA e Europa à frente), maiores beneficiárias até
aqui da superexploração de recursos naturais, resistem a rever seus
padrões de consumo.
Países pobres e emergentes, de sua parte, ainda enxergam os problemas do
século 21 pelo prisma gasto dos conflitos Norte-Sul. Afirmam seu
direito ao desenvolvimento, inquestionável, e tentam extrair o máximo de
recursos (fundos e tecnologia) dos mais ricos.
Rejeitam, porém, assumir compromissos de redução de gases do efeito
estufa proporcionais ao porte de suas economias. Só a energia consumida
na China produz mais emissões que a dos EUA. A resultante de seu
obstrucionismo e do paternalismo ambiental dos desenvolvidos tem sido um
impasse.
Esse é o quadro para a Rio+20. Não está em sua pauta adotar tratados,
mas é de supor que uma centena de chefes de Estado e de governo -além de
delegações de outros países- não se deslocariam até o Brasil apenas
para concordar com declarações inócuas. No entanto é o que se prenuncia.
O documento de base para a conferência não é mais que um esboço com
pouca ou nenhuma substância. Será preciso negociar parágrafo a parágrafo
a resolução.
A Rio+20 tem dois mandatos, que são também os dois principais focos de
atrito: governança e economia verde. Por trás do primeiro termo se
oculta uma disputa entre Europa, de um lado, que quer criar uma
organização mundial do ambiente autônoma, nos moldes da OMS (saúde) ou
da OMC (comércio), e, de outro, aqueles que se opõem a isso, como Brasil
e EUA.
O público não especializado terá dificuldade de perceber qual a
diferença entre a organização e um simples Conselho de Desenvolvimento
Sustentável, como defende a diplomacia brasileira. Em qualquer dos
casos, será difícil convencê-lo de que não se trata só de mais uma
agência burocrática da ONU.
Tirar essa questão da mesa, contudo, pode aumentar a chance de que
Barack Obama compareça à Rio+20, como fez de última hora George H. Bush
na Eco-92. É duvidoso, mesmo assim, que Obama se preste a esse gesto de
boa vontade internacional em tempos de campanha eleitoral nos EUA.
Em torno da economia verde, o segundo mandato, ergueu-se um debate
esterilizante. Itamaraty e Planalto insistem no chamado tripé do
desenvolvimento sustentável: econômico, social e ambiental. São
acusados, por isso, de diminuir a ênfase no ambiente e querer
transformar a conferência numa vitrine para exibir os feitos do país na
redução da pobreza. Se insistirem demais, arriscam transformar a Rio+20
na cúpula sobre tudo -e sobre nada.
A clivagem ambiente versus desenvolvimento persegue a negociação
internacional desde 1972, na primeira cúpula de Estocolmo, e só em
aparência foi superada na Eco-92. O Brasil, que tem credenciais de sobra
para exibir em ambos os casos - sua economia cresce com inclusão social
e queda no desmatamento-, deveria liderar o esforço para aposentar essa
dicotomia e manter o foco da Rio+20.
A melhor forma de fazê-lo é trabalhar para que a reunião adote um
conjunto enxuto de metas mensuráveis e verificáveis -os Objetivos do
Desenvolvimento Sustentável- que tenham também relevância social e
econômica, como as cinco propostas no quadro acima.
Dois meses são quase nada para desatolar um processo iniciado há 40
anos. Mas alguém precisa tomar a iniciativa de contrapor-se à inércia e à
irrelevância. É nessas horas que um país comprova sua vocação para a
liderança.
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